terça-feira, 6 de outubro de 2009

INTERIOR

Desde pequena Helena sentia que não pertencia a este mundo, cresceu sem entender a lógica sob a qual as coisas funcionavam. Sentia-se como se o mundo andasse para frente, sem jamais parar e ela não saía do mesmo lugar. Estava sempre de olhos baixos. Tinha uma boa família, porém não sabia se relacionar com ela, , o ser de quem se sentia mais próximo naquela grande casa era o cachorro.
Sua casa era tão grande, que a fazia sentir-se cada vez menor e insignificante. Estava em seu quarto, deitada na cama apenas observando, olhou para cada parede, cada objeto, cada móvel e sentiu uma pontada no peito, como se o teto fosse abaixando até comprimindo-a contra o chão, sufocando-a. E então olhou para a janela, levantou-se e pegou a coleira para levar o cão dar uma volta.
Na rua olhava para tudo e para todos, homens, mulheres, crianças, animais, deparava-se com carros, placas, motos, faróis, outdoors, ouvia as buzinas, sentia o forte odor das fumaças, sua cabeça começava a rodar. Fechou os olhos e começou a correr, aos poucos parava de ouvir todo o barulho, parava de sentir os diferentes cheiros da rua. Seu cachorro havia sumido, seus sapatos e suas roupas também. Estava em um grande jardim, bonito e florido, sentia a grama verde molhada de orvalho aos seus pés. Era possível observar um leve sorriso surgindo no canto dos seus lábios, há tempos que não sorria. Então ouviu um latido e abriu os olhos, o farol tinha aberto, andou mais 3 quadras e chegou na porta de casa.
Helena cumprimentou seus pais, sentou-se a mesa e jantou, não disse uma palavra, sua feição já não era mais a mesma de minutos atrás.
A semana que se seguiu não parou de chover um minuto sequer; tempestades,raios e trovões. Dentro da casa ouvia seus pais conversarem, seus irmãos rindo em frente à televisão, os comerciais, o jogo de computador, o “tic tac” do relógio, o toque do telefone , o latido cachorro, a melodia do rádio ... Sua cabeça rodou, deitou, fechou os olhos e pediu para que o dia seguinte fosse melhor.
Ao raiar o sol, Helena despertou com a brisa da manhã, não chegou a calçar seus sapatos e foi até a porta, viu que o tempo mudara. Deu o primeiro passo para fora, e então o segundo... Saiu correndo para ver o estrago da chuva. As ruas estavam praticamente vazias, um tanto quanto destruídas. Um novo sorriso surgiu-lhe na face. Andou e sentiu a grama molhada da manhã, ouviu o cantar dos pássaros, viu o céu azul. Até que avistou uma árvore, correu até ela. Um galho lhe faltava, e como se tivesse acabado de ser arrancado, sua seiva escorria. Um olhar diferente tomou conta de Helena, era uma mistura de pena, compaixão e felicidade. Seu sangue pulsava. Enlaçou árvore com os braços e ali ficou.

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